Análise e comparação entre os conceitos Igreja Missionária/Igreja Missional; Líder Missionário/Líder Missional

por Rinaldo de Mattos | 2015

INTRODUÇÃO

Fui formado na época em que se falava apenas em Igreja Missionária, ao enfocar o tema Missões, época quando a teoria da Igreja Missional ainda não existia. Nesses últimos anos, porém, tenho me preocupado com o assunto e, agora, depois de ler vários trabalhos sobre o tema, a maioria deles elaborados nessas duas últimas décadas, e lendo também parte do livro de Michael W. Goheen “A Igreja Missional na Bíblia (só pude consegui-lo nesta última semana), faço o seguinte resumo das minhas observações:

PONTOS POSITIVOS:

A teoria da igreja Missional traz à baila uma série de verdades bíblico/missionárias que estavam como que esquecidas ou ignoradas pela maioria de nossas igrejas, mesmo aquelas que se consideravam igrejas missionárias. Eis algumas delas que, para mim, fizeram sentido:

  1. Que a Grande Comissão foi dada à igreja, significando que a incumbência é de todos os crentes e não somente de um grupo seleto de pastores, missionários e evangelistas. Com essa visão, a igreja procura equipar cada crente para o trabalho do reino, fazendo-o entender que ele não é apenas um membro da igreja (um cliente), mas que ele é discípulo de Cristo e chamado para testemunhar de Cristo no lugar onde vive, estuda, trabalha, ou seja, a todas as pessoas ao alcance de sua influência pessoal.

  2. Que é necessário formar cada membro da igreja como discípulo de Cristo para que ele venha a ser uma testemunha viva do reino de Deus, na terra. Com isso, a igreja deve mudar o seu enfoque em programas para colocar o seu enfoque nas pessoas.
  3. Que a igreja (instituída) não é um local de evangelismo para onde as pessoas devem ir para ouvir o evangelho, mas é o instrumento de Deus para levar o evangelho onde as pessoas estão. Com esse enfoque, fica claro que o verdadeiro membro da igreja, então discipulado, não irá (necessariamente) tentar trazer seu amigo ou colega para a igreja para ouvir o evangelho (da boca do pastor), mas ele estará preparado para comunicar o evangelho ao seu amigo, vizinho, ou colega onde eles estiverem.

  4. Que a igreja deve exercer uma influência benfazeja e fazer a diferença, em termos éticos, morais, sociais, etc. na comunidade onde se encontra inserida. Eu conheço igrejas verdadeiramente “ilhadas” nas comunidades onde se encontram, sem nenhuma influência pessoal ou coletiva sobre a comunidade, igrejas essas que precisam, desesperadamente, desse enfoque trazido pela teoria da Igreja Missional.

  5. Que a igreja deve saber contextualizar o evangelho às pessoas de hoje, ou seja, adaptar o evangelho ao homem pós-moderno do século XXI. Com isso, deve haver uma adaptação da linguagem evangélica, da liturgia, da música e das reuniões da igreja (o culto) à cultura dos dias de hoje.

Nota: Essas conclusões foram extraídas das leituras dos materiais citados como Fontes, no final deste trabalho.

PONTOS NEGATIVOS:

Não obstante trazer à tona algumas das verdades bíblico/missionárias mais essenciais, a teoria da Igreja Missional apresenta alguns pontos, a meu ver, negativos, que nada contribuem para o bem da divulgação missionária junto ao povo de Deus, e podem até prejudicar em alguns pontos primordiais. Não vou mencionar todos neste trabalho. Desejo me ater apenas a três pontos:

Visão local versus Visão Mundial

Os defensores da Igreja Missional enfocam de forma extremada a importância da influência da igreja na comunidade onde se instala, como sendo a sua missão primordial, e negligenciam, quase que definitivamente, a responsabilidade missionária mundial da igreja no seu dever de ultrapassar os limites de suas fronteiras geográficas e culturais, levando o evangelho até os confins da terra e a todas as nações, de acordo com os termos da Grande Comissão. Numa linguagem mais tradicional, eu diria que eles se tornaram “ministros da cidade”, preocupando-se com os problemas urbanos, preocupando-se em se identificar com o homem pós-moderno, etc. (o que, obviamente está certo) mas esquecendo-se do resto do mundo. Everaldo Carlos, em seu artigo Definição do Termo Missional, citando Ed Stetzer (2006), diz:

Ed Stetzer (2006), presidente da Lifeway Research[2] distingue a igreja missional de uma igreja tradicional sem o senso de missão. Em uma tentativa de sensibilizar a igreja estabelecida com missões bíblica para trabalhar no outro lado da rua e não apenas em missões além mar. “Missional significa realmente fazer missão onde você está”, Stetzer (2006, p. 4) escreve. “Missional significa adotar a postura de um missionário, aprendendo e adaptando-se a cultura ao seu redor, e permanecendo bíblico.” Stetzer em seu livro Planting Missional Churches (2006, p.19) condensa a declaração ao dizer: “Missional significa ser um missionário, sem nunca sair do seu código postal.” A igreja tradicional tem perdido o lado missional. Tem deixado de lado a sua essência.

[grifo do autor] http://iasdmissional.blogspot.com.br/2011/10/definicao.html

A eclesiologia missiológica acoplada a uma interpretação escatológica

Quem lê a literatura voltada para a teoria da Igreja Missional percebe logo que seus proponentes seguem a interpretação escatológica conhecida como Amilenismo. Isto é, a teoria de que não haverá Milênio futuro e que o reino de paz e justiça prometido, será implantado, no mundo, nesta geração, pela própria influência da igreja. Daí a menção, constante, de seus autores, no papel escatológico da igreja. Um desses autores, chega a declarar-se, textualmente, amilenista, e se opõe a outras correntes interpretativas. No texto, não aparece seu nome, mas a citação está no site da Igreja Missional, com o título “Credo Missional”, indicando local e data (Belo Horizonte, 03 de novembro de 2014). No item 23, o autor diz:

Que Jesus Cristo virá novamente, em sua segunda vida, e todo o olho o verá e toda língua confessará seu senhorio. Jesus é Senhor de tudo e todos. Cremos que o milênio descrito nas Escrituras está sendo realizado, e que a era da Igreja de Jesus completará este ciclo. Neste aspecto somos Amilenistas (Milênio Realizado) em detrimento dos Pré Milenistas e Pós Milenistas.

[grifo do autor]http://www.igrejamissional.com.br/wp-content/uploads/2015/05/Credo-Missional.pdf

Nada contra serem eles amilenistas, mas, atrelar a eclesiologia e especialmente a missiologia a uma corrente de interpretação escatológica, deixando de lado textos bíblicos que poderiam indicar o contrário, como por exemplo, Atos 15.14, Lucas 18.8 e muitos outros, não me parece uma hermenêutica digna de ser aceita sem contestação.

O antagonismo assumido contra a classe dos missionários

Mas o ponto negativo mais grave que encontrei na teoria da Igreja Missional, foi o antagonismo com que eles tratam a prática do envio de missionários para regiões além das fronteiras geográficas e culturais da igreja e da crítica que eles fazem a essa prática, tanto quanto a fazem aos missionários de carreira. Eles colocam a atividade “Missional” numa oposição tão agressiva à atividade “Missionária”, que o elemento tem que optar entre uma ou outra, ao invés de trabalharem para conciliar ambas e considerar que elas são complementares.

É interessante notar como eles dão preferência a textos como o de Atos 11.10,25, por exemplo, quando a igreja de Jerusalém toda saiu evangelizando, ficando somente os apóstolos em Jerusalém, mas negligenciam Atos 13.1-3, quando a igreja de Antioquia da Síria enviou Paulo e Barnabé para os gentios de longe, como se essa outra atividade da igreja não fizesse parte da mesma base bíblico/missiológica.

Os argumentos que eles usam, além de não terem sustentação bíblica, não me parecem lógicos e racionais. Às vezes parecem até mórbidos, deixando transparecer alguma coisa meio doentia, como, talvez, preconceito, de um lado, ou ciúmes, de outro. Vamos a alguns exemplos:

Michael W. Goheen, no livro “A Igreja Missional na Bíblia, na página 20 diz:

A terminologia associada à “missão” entre muitos cristãos ainda implica a ideia de expansão geográfica, uma atividade em um lugar distante baseada na iniciativa humana, pela qual as boas-novas são levadas aos que ainda não a ouviram. Em geral esse movimento é de um sentido só: do Ocidente para outras partes do mundo. Um missionário é um agente de expansão evangelística, e um campo missionário é qualquer área fora do Ocidente na qual essa atividade é realizada.Eventos no final do século 20 tornaram obsoleta essa visão de missão.[1]

[grifo do autor]

Não é verdade! O movimento de envio de missionários, para começar, não é humano, mas, sim, divino. Não ocorre só do Ocidente para as outras partes do mundo.  Muito pelo contrário, ele nasceu no Oriente e, de lá, veio para o Ocidente: “…Passa à Macedônia e nos ajuda” (Atos 16.19). Além disso, missionários brasileiros e de outros países da América Latina, estão seguindo, hoje, para Portugal, Espanha, França, e outros países da Europa. Por outro lado, se essa atividade tornou-se “obsoleta”, o que Atos 13.1-3 está fazendo ainda, lá, na Bíblia?…

Tim Keller, em seu tratado “Igreja Missional” chama o envio de missionários de “um modelo americano”. Ele diz:  

cooperação entre iguais no campo missionário, não um modelo americano de envio de missionários[2]

[grifo do autor]

Ora, quando a igreja de Antioquia enviou Paulo e Barnabé para o mundo gentílico (nosso modelo mor), os americanos não tinham ainda aparecido na história. E quando Deus enviou os peregrinos ingleses para colonizar os Estados Unidos, foi só aí que os americanos começaram a entrar na história…

O Rev. Ricardo Barbosa, na introdução ao livro “Fábrica de Missionários” de Ruben Amorese, diz: 

Existem duas palavras que o diabo gosta muito de usar na igreja: leigo e missionário. As duas criam uma limitação bem ao gosto dele. A primeira desqualifica a grande maioria dos cristãos, colocando-os numa categoria de meros coadjuvantes na tarefa missionária da igreja. A segunda qualifica uma pequena minoria como sendo os únicos sobre quem pesa a responsabilidade de realizar esta tarefa. Com estas duas palavras, o diabo conseguiu nocautear e colocar fora de combate a maioria dos cristãos...Fábrica de Missionários é um esforço de banir do nosso vocabulário a palavra leigo e dar uma compreensão mais abrangente e bíblica à palavra missionário. O apóstolo Paulo em suas viagens não foi mais missionário do que uma mãe ao dar à luz filhos e se dedicar (junto com o pai, é claro) a educá-los. Isto nos ajuda a entender que o chamado de Cristo para segui-lo é um chamado para a missão e envolve todos os cristãos, em tudo aquilo que fazem, independentemente se são chamados para irem a uma região distante plantar uma igreja, para exercerem uma função numa repartição pública ou para realizarem a importante tarefa de serem pais.[3]

[grifo do autor]

O antagonismo é tão grande que Amauri Vassão Figueiras, em seu artigo “Igreja Missional ou Missionária”, publicado no site da Igreja Missional, em fevereiro de 2015, afirma:

Num esforço por definir a igreja como a “comunidade cristã inteira enviada ao mundo” os pensadores missionais sugerem não apenas a redefinição dos contornos da figura do missionário tradicional, mas sua aposentadoria definitiva.

[grifo do autor] Filgueiras, Amauri Vassão, Igreja Missional ou Missionária,  Fevereiro de 2015, site da Rede da Graça

Há muito outros exemplos iguais a esses que não citarei aqui. Eles serão apresentados, entretanto, em meu TCC, no final do ano, quando abordarei o tema: “A Teologia Bíblica da Vocação e Chamada”.

Porém, o que já está acontecendo, é que a falta do enfoque na prática do envio de missionários para além das fronteiras geográficas e culturais da igreja, está trazendo também outro prejuízo para a expansão do reino de Deus: A desnecessidade do missionário de carreira, seguida da desnecessidade de um preparo adequado de missionários.

Venho acompanhando, nestes últimos anos, o dilema das agências missionárias transculturais queixando-se da falta de candidatos; de centros de treinamentos  transculturais sérios, queixando-se da falta de alunos; de missionários transculturais queixando-se de falta de sustento, etc. enquanto que o número de igrejas prontas para enviar e sustentar missionários, vem diminuindo de forma assustadora…

A Igreja Missional, estabelecida num contexto moderno, faz muito bem em procurar adaptar-se à cultura do homem pós-moderno e preocupar-se com a sua “Jerusalém”. Mas, acontece que o mundo não é habitado somente pelo homem pós-moderno e é muito maior do que qualquer Jerusalém. Há muitos povos, tribos e línguas, como também muita gente comum, longe da cultura do homem pós-moderno, que precisam ser alcançados, já, e a Igreja Missional deve entender que esta incumbência também faz parte da Missão.

CONCLUSÃO

Usando os termos que os próprios adeptos da Igreja Missional usam, eu diria: “Nem Igreja Missionária, somente, nem Igreja Missional somente”. As duas estão certas, em seus pontos defendidos, mas não podem existir isoladamente, uma se opondo à outra. A igreja ideal (aquela que está retratada nas Escrituras, tanto histórica como teologicamente), seria: “A igreja Missional (que faz diferença na comunidade onde se instala), conjugada à Igreja Missionária (que tem uma Visão Mundial da obra e envia obreiros para além de suas fronteiras geográficas, culturais e linguísticas, plantando igrejas em todas as culturas do mundo)”.

Quanto à relação entre Líder Missionário e Líder Missional, a literatura examinada pouco ou nada fala. Concluindo, pois, o que se disse sobre a relação Igreja Missionária e Igreja Missional, se aplica, igualmente, nesse segundo caso.  

Bibliografia

Goheen, Michael W, A Igreja Missional na Bíblia, Edições Vida Nova, 1ª Edição, São Paulo, 2014

Amorese, Ruben Martins, Fábrica de Missionários, Ultimato Editora, Viçosa, 2008

Fontes:

Keller, Tim, Igreja Missional, http://timkelleremportugues.blogspot.com.br/2010/08 /igreja-missional.html, visitado em 25/09/2015

Carlos, Everal, Definição de Igreja Missional, http://iasdmissional.blogspot.com.br/ visitado em 07/10/2015

Amaral, Paulo, Igreja Missional, https://docs.google.com/presentation/d/1dZ9bv4fefxMMawPNsE6VvU3Cjurmi7O_Gaj13kqTGYI/edit?pli=1#slide=id.i24, visitado em 25/09/2015

CROCKER, GUSTAVO, Desenvolvendo Uma Igreja Missional – O Modo de Jesus,  http://www.missionaleurasia.com/downloads/portuguese/TheJesusWay_Portuguese.pdf, visitado em 05/10/1015

Belo Horizonte, 03 de Novembro de 2014, autor não mencionado, http://www.igrejamissional.com.br/wp-content/uploads/2015/05/Credo-Missional.pdf, visitado em 25/09/2015

Palmeira, Alex, Entenda o Conceito Missional,  

http://www.maisumdiscipulo.com/blog/2014/02/28/entenda-o-conceito-missional/, visitado em 05/10/2015

Donato, Everon, Construindo a igreja Missional, http://docslide.com.br/documents/construindo-a-igreja-missional.html, visitado em 25/09/2015

Filgueiras, Amauri Vassão, Igreja Missional ou Missionária, Mfile:///C:/Documents%20and%20Settings/priscila/Meus%20documentos/Downloads/IGREJA%20MISSIONAL%20OU%20MISSION%C3%81RIA.pdf, visitado em 08/10/2015

Missio Dei, https://en.wikipedia.org/wiki/Missio_Dei, visitado em 08/10/2015


[1] Goheen, Michael W, A Igreja Missional na Bíblia, Edições Vida Nova, São Paulo, 2014, p. 20

[2] Keller, Tim, Igreja Missional, http://timkelleremportugues.blogspot.com.br/2010/08/igreja-missional.html , visitado em 05/10/2015

[3] Amorese, Ruben Martins, Fábrica de Missionários, Ultimato Editora, Viçosa, 2008, introdução de Ricardo Barbosa. Pg 10

Pr. Rinaldo de Mattos – casado com Gudrun Körber de Mattos, 7 filhos adultos, 11 netos. Fundador da Missão Alem, Missionários da Junta de Missões Nacionais da CBB. Trabalham desde 1960 entre os índios Xerente, no Tocantins.

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