Questão de respeito
Ásia, segunda, 7 de julho de 2019
por Hosana Seiffert
O dia foi intenso. Saímos cedo, logo depois do devocional, e só voltamos no fim da tarde. Cansados, claro, mas felizes. Fomos a um mercado local, abastecemos a casa e seguimos para uma região de comércio popular. Lá, encontramos roupas típicas como batas e pashminas. A intenção é se envolver na cultura e chamar menos atenção quanto possível. Por mais que a nossa mala tenha sido preparada com roupas largas, camisas longas e vestidos compridos, nada se compara a um traje da região.
Almoçamos na rua, tentando fugir da pimenta. Não adiantou. Por mais que a vendedora garantisse “no spice”, ela estava lá, queimando da boca ao estômago, passando pelo esôfago. Ok, faz parte.
Mas o melhor do dia estava por vir. Chegamos à casa de resgate. Seria a primeira visita. As meninas estavam voltando do colégio, eram cinco da tarde. No caminho compramos um lanche tipicamente local com mais pimenta, claro. Elas guardaram as mochilas e nós sentamos na varanda. Uma a uma foi se achegando. Havia cadeira para todos, mas elas preferiram ficar de pé. Insistimos, elas negaram com um sorriso.
– “É uma questão de respeito, madame”. Explicou uma das meninas, em um inglês com sotaque asiático difícil de compreender. Ficamos ali, nós sentados, elas de pé à nossa frente. Era um momento de observação mútua. Gestos educados, olhos atentos, sorrisos tímidos, pura curiosidade. São meninas que mal entraram na adolescência, têm entre 15 e 19 anos, e apesar de tão novas, carregam histórias de vida por vezes inimagináveis. A maioria prefere não falar sobre o passado de abuso, pobreza extrema, tráfico humano.
Finalmente alguém trouxe duas esteiras e elas sentaram. Nós em cadeiras, elas no chão. “Questão de respeito, madame”. Fiquei mais à vontade com todos sentados, mas continuei constrangida com a diferença de nível. Minha vontade era sentar no chão, com elas. Nossos nomes ocidentais soaram engraçados para elas. Os nomes delas pareceram quase impronunciáveis para nós. A cada tentativa, muitas risadas. O quebra gelo dos nomes funcionou. Propus uma dinâmica: “diga, em uma palavra, qual é o seu sonho”. Rapidamente, eles começaram a brotar: “quero ser enfermeira”; “quero cantar”; “ser técnica de laboratório”; “sonho em abrir um salão de beleza”; “quero ajudar pessoas”; “conhecer o México”.
Mas não parou por aí. A pergunta teve volta: “e qual é o sonho de vocês?” Fiquei feliz. Não era apenas nós, estrangeiros, interessados na história delas. Elas também queriam nos conhecer. Falamos dos sonhos, dos filhos, da família, do Brasil.
Culturas diferentes, histórias diferentes, sonhos diferentes, todos compartilhados. Uma questão de respeito.