Quando a morte dita o ritmo

Ásia, sexta, 10 de julho de 2019.

por Hosana Seiffert

A equipe estava animada para a viagem ao interior do país. Iríamos visitar duas das três áreas desenvolvidas pelo projeto: o apoio aos líderes e pastores locais, e o trabalho de reforço escolar com crianças de famílias pobres de uma vila. Tudo estava pronto, das mochilas aos lanches. No entanto, um telefonema mudou os planos do dia seguinte. O marido de uma senhora da igreja faleceu repentinamente. O pastor que iria nos acompanhar na viagem deveria dar apoio à família.

A morte sempre interrompe os planos. Fui deitar naquela noite lembrando de exatos seis anos atrás, também no mês de julho, quando esse pastor, nosso amigo, estava pela primeira vez no Brasil. Foram tantos passeios e almoços juntos, inclusive com meus pais, que amaram conhecê-lo. Num fim de semana o recebemos em casa. Foi um sábado festivo, repleto de comidas típicas. Doze dias depois estávamos em uma capela, despedindo-nos do meu pai, que faleceu repentinamente. Nosso amigo asiático participou da nossa alegria e acompanhou a nossa dor.

Amanhecemos na quinta-feira com a sensação do luto. Mesmo sem conhecer a família, fizemos questão de acompanhar a cerimônia. Quase uma retribuição à forma cordial em que recebemos aquele abraço seis anos atrás.

Na entrada da igreja estava o carro enfeitado por flores trançadas. Um banner impresso com a foto e as datas de nascimento e morte nos fez perceber que se tratava de um homem novo: 45 anos. Dentro, as cadeiras estavam em uma disposição diferente do domingo anterior. Cerca de sessenta, setenta pessoas entoavam cânticos na língua local. Olhei ao redor na tentativa de encontrar os familiares. Não foi difícil identificar a viúva e a filha, imaginei. Uma jovenzinha de no máximo treze anos. Do ângulo em que eu estava sentada, as via com precisão. Não consegui conter as lágrimas. A morte sempre interrompe os planos. Imaginei quais seriam os sonhos daquele casal, os planos daquela família.

Me deparei com a palavra viúva. Fiquei pensando no estigma que essa palavra carrega, ainda mais num país em que grupos da religião predominante incentivam o sacrifício de mulheres que perdem seus maridos, sendo queimadas vivas num ritual chamado “sati”, graças a Deus, cada vez menos frequente.

Aqui, a viúva era consolada por uma senhora sentada ao lado. “Ainda bem que ela é cristã”, pensei. O choro era contido, havia momentos de soluço com as mãos cobrindo o rosto e outros em que ela parecia não estar ali, tão distante era o seu olhar. Mesmo em meio à dor, havia uma atmosfera de paz. Percebi que não importa o país. Esse é um comportamento típico da maioria das pessoas que sabem para onde vão.

A morte até pode interromper os planos. Mas para quem tem esperança de vida eterna sempre há consolo.

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